terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Os chineses estão chegando... na ópera

Há cerca de um ano publiquei nesta coluna um artigo sobre o avanço dos chineses na música ocidental (12/2/2010). Na época eu estava impressionado com a meteórica participação dos músicos da China nas grandes orquestras do Ocidente. Na Orquestra Filarmônica de Nova York, 20% dos músicos titulares eram de origem asiática, vários da China. Na orquestra jovem de Nova York, 35%. E na orquestra de adolescentes da Julliard School of Music (uma das melhores do mundo), 43%!

Os dados mostravam que a China estava produzindo e consumindo a musica ocidental alucinadamente. Mais de 20 milhões de chineses estudavam piano e 10 milhões dedicavam-se ao violino!



Neste início de 2011 fui surpreendido com um outro aspecto da nova revolução cultural da China. O país inteiro está mobilizado na educação, montagem e apresentação das grandes óperas ocidentais. São milhões de estudantes que se dedicam ao canto nas línguas originais das peças do Ocidente. Pequim conta com uma vigorosa academia nacional de ópera. Em 2010 foram apresentadas 10 diferentes óperas em apenas 12 dias. São centenas de apresentações todos os anos. Guangzhou inaugurou um majestoso teatro de ópera que custou o equivalente a US$ 220 milhões. Turandot (que se baseia em tema chinês), composta pelo italiano Giacomo Puccini, transformou-se em apresentação obrigatória nas grandes cidades chinesas.



A proliferação da ópera na China gera centenas de milhares de empregos para músicos, cantores e pessoal auxiliar. Convém lembrar que o país é famoso pela apresentação de grandiosos cenários e figurinos riquíssimos - além das tradicionais máscaras por meio das quais os atores transmitem ao público os traços da personalidade dos personagens.

Novas e velhas óperas chinesas também vêm conquistando o público - muitas delas sobre temas da recente Revolução Chinesa e outras sobre as tradições das antigas dinastias.

A China está formando milhares de grupos de intérpretes para apresentar suas óperas e as ocidentais em todo o mundo. Numa visão mais ampla, o país está dando bolsas de estudo a milhares de jovens cantores americanos para, em Pequim, apreenderem a cantar em mandarim e dialetos locais as óperas nacionais. O que se pretende é a disseminação dessa arte nos Estados Unidos e demais países do mundo.

Trata-se de uma estratégia de longo prazo por meio da qual a China quer se fazer presente nos grandes movimentos culturais do mundo. O governo acredita que, para se impor globalmente, o país precisa ser grande também nas artes e na cultura em geral. Isso faz parte da grande guinada histórica iniciada há mais de 40 anos por Deng Xiaoping, o pragmático sucessor de Mao Tsé-tung, que dizia: "Temos de construir duas civilizações, a civilização material e a civilização espiritual."



Ou seja, longe de ter um foco único na produção industrial e nas exportações, a China entende que o cultivo da música, das artes plásticas e da dramaturgia, inclusive óperas, é fundamental para completar a formação dos jovens, dar boas oportunidades de trabalho e tornar a sociedade mais bela.

Os chineses querem para si não apenas um país grande e forte, mas também bonito e alegre, para com isso conquistar mais e mais consumidores ao redor do planeta. Em outras palavras, a China ganha mercados mesclando beleza e com engenharia.

O lado triste dessa nova revolução cultural é a interferência da censura em muitos enredos das óperas ocidentais - e também das chinesas. O Ministério da Cultura acaba de lançar um concurso para a criação de óperas que enalteçam as qualidades do regime comunista e do indiscutível progresso chinês. É uma séria limitação da criatividade. Mas, dizem os entendidos, que isso deve diminuir na medida em que o movimento operístico se globalizar.

Prof. José Pastore
PROFESSOR DE RELAÇÕES DO TRABALHO DA FEA-USP. SITE: WWW.JOSEPASTORE.COM.BR

Fonte: Jornal Estado de São Paulo

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