segunda-feira, 28 de março de 2011

Restaurante em Pequim guarda segredos do chef do imperador

Sob sua humilde aparência, o restaurante dos Li, em Pequim, esconde uma das tradições mais refinadas da China: as receitas secretas que seu bisavô, ministro de Assuntos Domésticos do Imperador, tirou do palácio no fim da dinastia Qing.

"O bisavô da minha mulher, Li Zijia, tinha um cargo muito alto no Palácio, como um vice-primeiro-ministro de hoje. Sua responsabilidade era cuidar da alimentação e do vestuário do imperador e de sua família, dos rituais das estações e de outros eventos", explica à Agência Efe Wang Shangyi, marido de Li Aiyin.

Ela é um dos quatro bisnetos - três mulheres e um homem - que mantêm vivo um negócio e tradição familiar que ficou durante décadas escondido no "hutong" (vila imperial), que acolhe sua humilde casa. Seu pai, o matemático Li Shanlin, tem 93 anos e já se aposentou, explica à Efe.

O bisavô Li trabalhou para dois imperadores e durante a turbulenta regência da imperatriz viúva, Cixi, à qual a família lembra com respeito ao contrário da história oficial, a comunista, que a apresenta como uma pessoa sem escrúpulos.


Na parede do local onde os Li iniciaram sua aventura culinária está pendurado um papel escrito pelas mãos de Pu Jie, irmão mais novo do último imperador, Pu Yi, que diz: "Li Jia Cai", em chinês "a cozinha da Família Li".

"Pu Jie vivia por aqui", lembra ele, "era uma pessoa muito amável".

Após a queda do império, em 1911, Li Zijia permaneceu na Cidade Proibida até que, em 1923, um incêndio o obrigou a abandoná-la já mais velho com as receitas imperiais em suas mãos para se instalar no número 11 do "hutong" Yang Fang.

Como o restante dos funcionários manchus dos Qing, o bisavô Li tinha um talento especial para a hospitalidade que seus descendentes herdaram, assegura este casal orgulhoso de uma etnia que soube se adaptar à cultura local.

"As comidas que nós fazemos datam daquela época, tentamos manter nossa tradição", mas adequada a uma ideia de alimentação saudável, com algum prato popular de Pequim e ao alcance de todos, já que os menus podem custar entre US$ 37 e US$ 282 dólares por pessoa, em função do número de pratos.

Sua cozinha não usa produtos químicos e o famoso Glutamato Monossódico, Além disso, os Li semeiam seu próprio arroz e outros cereais mediante um processo transmitido de pais para filhos, que dá um sabor natural e único a suas pequenas obras de arte.

Li e Wang são, além disso, doutores da medicina tradicional chinesa.

Li Aiyin supervisiona todo o processo: o preparo da massa para os raviólis e macarrões, as vieiras fritas acompanhadas de folhas de colza, o aipo aromatizado com tofu, o feijão, a couve com sementes de mostarda, a lagosta, o cervo picante, o ensopado de rã com ovo, o pato assado e o histórico "peixe mandarim".

O grande segredo que os Li escondem de seus ajudantes são seus molhos, que são preparados por eles mesmos e depois levados para a cozinha.

Para trás ficaram alguns dos pratos com ingredientes a base de espécies hoje protegidas, como as garras de urso, a sopa de barbatana de tubarão e o "dragão", parecido com o lagarto; é preciso entender, assinalam, que os imperadores Qing eram manchus, descendentes de pastores nômades que comiam todo tipo de animal.

Também foram deixados de lado os obscuros anos nos quais Li Shanlin teve que esconder sua origem e talento, quando na Revolução Cultural (1966-76) qualquer indício de raça podia custar a vida: "Durante gerações tivemos que nos esconder em alguns períodos. Meu pai disse que tinha aprendido a cozinhar de cor com os mais pobres para se salvar", lembra Li comovida.

"Não fez para se beneficiar", conta, "queria manter viva uma tradição muito antiga. Nossos pratos não são pratos imperiais, não usamos os ingredientes que eram servidos a Cixi, são mais simples, cozinhamos para todos, ricos e pobres".

Foi outra das irmãs, Lili, que em 1984 ganhou um concurso televisivo de cozinha e tornou famoso o então negócio secreto.

Por sua casa já passou o magnata John Rockefeller, o atual assessor político do Partido, Jia Qinglin, embaixadores, funcionários, empresários e também gente comum.

A tradição continuará, sua filha e seus sobrinhos herdaram o talento familiar, enquanto seus irmãos já possuem restaurantes mais sofisticados em Pequim, Xangai, Tóquio e Melbourne.

Fonte: EFE

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